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Turma da MARIANA | Zulmira, a verídica história de uma galinha preta

11/09/2013

Era uma vez, numa cidade grande, no século XXI, muito poluída e carente de paisagens bucólicas e pastoris, trânsito congestionado, ruídos ensurdecedores, correria de gente pelas ruas, onde a galinha preta, sabe-se lá como, foi parar. Era a Zulmira, muito pretinha, alta e magra, penas brilhantes, furta-cor, uma galinha feliz e sonhadora, que logo ao nascer foi separada de sua família para fins desconhecidos. Quinta-feira, no exílio de um caixote de madeira, amarraram-lhe uma fita preta no tornozelo e ela pensou: “puxa, que beleza, uma pulseira que combina com o tom da minha pele, como sou felizarda por ter sido escolhida entre tantos, por ser a mais bela, agraciada com ornamento gracioso, apartada, talvez por ter as qualidades que os outros não têm."

No decorrer do dia foi elucubrando as mais deliciosas fantasias de uma galinha: encontrar corozinhos pra comer, passear pelos campos, livre e leve, e talvez por ali conhecer o galo mais bonito da redondeza, o mais forte e carinhoso, mais astuto e leal, botar belos ovos, que gerariam pintinhos, tão sortudos quanto ela, ter uma grande árvore pra morar e protege-la do sol e da chuva, segurança almejada pelos seres viventes, paz ansiada desde sempre. Que felicidade ser uma galinha preta, diferenciada e reconhecidamente mais querida por todos.

Mas por volta da hora do almoço ouviu os seres humanos, em grande atividade ao seu redor comentando: “Voce já preparou a galinha preta pra amanhã? Já amarrou a fita? Preciso dela lá pelas seis da tarde, pra organizar o trabalho, virei buscá-la para o despacho!”.

Quando Zulmira ouviu esta palavra, veio-lhe à mente o conhecimento atávico que todas as galinhas pretas intuitivamente já têm, passados desde tempos imemoriais por seus antepassados: “Agora já sei !!! Vão tentar me matar amanhã, sexta-feira à noite, numa ecruzilhada”. Que poderei fazer? E meus sonhos e quimeras, meus desejos de um futuro feliz ao lado do meu galo-encantado e de meus filhinhos graciosos?

Zulmira pôs-se a pensar um pouco, tentando encontar uma saída para a situação, buscando uma rota de fuga, examinando o entorno, avaliando possibilidades e sua autonomia nas parcas técnicas de vôo. Fez cálculos matemáticos, estatísticos, aerodinâmicos, espaciais, e concluiu: “Se eu me alçar na direção daquela árvore que existe por trás deste muro ao lado do caixote, pode ser que consiga mudar meu destino, prosseguir minha vida, com a liberdade sonhada e ao fim a realização de meus desejos mais queridos.

Fez uma prece pedindo forças e proteção aos espíritos dos antepassados desaparecidos na mesma situação, pediu energia para sua fraca musculatura de pernas e asas, e após contagem regressiva, lançou-se ascendentemente no ar, com toda a motivação necessária para bem concluir seu ato.

Conseguiu ! Lá estava ela, na árvore, sã e salva, cansada a não mais poder, mas orgulhosa de si mesma. Se sua mãe soubesse o que havia feito, de certo ficaria orgulhosa.Mas outro problema se apresentava: o que fazer dali pra frente? Como sobreviver nesta rua inóspita? Mas, como galinha inteligente que era, Zulmira resolveu descansar por uma noite, e no dia seguinte, mais revigorada, pensaria numa solução, pois o mais difícil e inacreditável ela já havia feito. Como todos sabem, galinhas voam muito mal.

Logo que amanheceu, foi acordada pelo ruído de um cão que se aproximava, junto a um homem grisalho, passeando calmamente pela calçada. O cão não a viu, mas o homem, afeito a todos os animais, mais especialmente a galinhas, nela fixou o olhar por uns minutos, logo após indo embora. Zulmira, a sonhadora, pensou que feliz era aquele cão, livre, sem coleira, ora caminhando ora correndo, com seu amigo. "Ah, queria isso pra mim..."

Por volta do meio dia, Zulmira, já com fome e sede, novamente avistou a mesma dupla que ali passara pela manhã. Mais uma vez o cavalheiro parou e admirou-a por alguns minutos. Mais uma vez ela percebeu no olhar dele aquele brilho da amizade e do carinho. Será que São Francisco teria ouvido suas orações? Seria ele um enviado do céu pra ajudá-la? Um anjo amigo das galinhas pretas? Um admirador encantado com sua beleza? E com estes pensamentos passou a tarde. Imaginando de onde viria sua salvação!

Já quase desfalecendo de fraqueza, lá pelas 23 horas do mesmo dia, o tal senhor apareceu, agora sem o cão. E num arroubo de herói, subiu na árvore com dificuldade por causa da idade, o que fez Zulmira se assustar e voar para o perigoso chão. Voar pra baixo sempre é mais rápido e fácil... O homem correu em seu encalço, pegou-a no colo, feliz, num abraço forte.

Zulmira pensou: “Seria encaminhada para um outro despacho? Afinal era sexta-feira. Mas não, aquele homem a amava, dava pra perceber isso no aconchego de seus braços." Foram caminhando pelas ruas escuras, por uns 5 quarteirões, chegaram a uma casa simples, mas repleta de bichos de todas as espécies. O cão que conhecera pela manhã estava lá, além de outros três. Havia gatos às pencas, pássaros variados, tartaruga, um papagaio gritalhão. Havia o aroma delicioso de boa comida para bichinhos, havia calor e proteção, havia amor. "Será que eu morri e não percebi?" Pensou Zulmira. "Será que assim é o céu dos animais? Ou será que este senhor é o próprio São Francisco, que me resgatou pessoalmente da morte por assassinato e agora vai cuidar de mim pra sempre? Ou então seria ele um galo diferenciado, que me adora e zelará por mim?"

Ali Zulmira recebeu tudo de que precisava: ração, água, vitaminas, cama boa e quentinha, e alguns vasos com plantas pra escarafunchar, areia pra ciscar, sol pra aquecer de dia, e telhado pra proteger de noite. Os outros bichos não a incomodavam. Seu Chico, assim o batizou, achou que ela estava rouca e com o peito cheio, deu-lhe anti-bióticos na dose certa. Sarou, a voz voltou ao normal e poderia cacarejar com categoria.

Sua vida ficou perfeita, punha ovos todos os dias, abastecendo a casa do Chico e dos amigos dele. Não sem sofrer muito preconceito, pois vários amigos de Seu Chico se recusavam a comer ovos de uma galinha preta: "Deus me livre, que horror, isso há de fazer mal à saúde." Ao que ela pensava: "Quanta ignorância..." De vez em quando ficava choca e murmurava dias seguidos, lá do seu ninho. Uma vez seus ovos não foram encontrados, mas o motivo era outro, ela havia posto os ovos dentro da mala de ferramentas. Seu esporte preferido era destruir plantas, esparramando terra e folhas picadas. De vez em quando resolvia fazer exercício e dava uma corrida atrás dos cães, que por incrível que pareça, saiam em desabalada carreira.

Agora só faltava ela encontrar o galo-encantado e os filhinhos. Mas o Seu Chico estava providenciando, se não conseguisse um galo, pelo menos arrumaria os ovinhos, galados já, pra que ela pudesse realizar seu sonho de ser mãe. Mas isso não chegou a acontecer, infelizmente. Mas a vida é assim, não se pode ter tudo!

Hoje já mais velha tem uma rotina tranquila, quase não põe mais ovos, apenas come e dorme. E cacareja, passeando pelo quintal. Ela conversa sempre com ele, todas as manhãs, enquanto ele prepara seu desjejum: ração, comida de gente e corozinhos saborosos, guloseimas do céu. Ela agradece a ele por tudo, ele responde tentando aprender a lingua das galinhas pretas. Outro dia Seu Chico achou que ela estava pálida. Eu sei, é meio estranho dizer isto, mas ela estava mesmo. A sua cabeça, ao invés de estar vermelha, estava rosa claro. Ele ministrou-lhe vários remédios, passou pomadas. Mas o problema foi se agravando, e foi preciso tomar antibióticos por quinze dias, de doze em doze horas, após a visita em casa de uma veterinária especialista em galinhas e exames de laboratório. Seu Chico a pega no colo, com cuidado, abre seu bico e injeta lá no fundo da garganta o tal remédio. E não é que está dando certo? Graças a São Francisco. Dia destes, já que passa algum tempo na sala à espera da próxima dose do remédio à meia noite, foi até o quarto dele e deitou-se em sua cama, na esperança de ali passar a noite. Um pouco folgada, não é mesmo? Mas afinal ela já é um membro da família!

Medo de galinha preta ninguém deve ter. A maldade está no espírito do homem. A pobre galinha aviltada, morre sem saber porque, numa cerimônia que não entende. As galinhas pretas são simplesmente galinhas, podemos comer seus ovos e com elas conviver, sem temor, granjeando sua amizade e companheirismo. As galinhas pretas não podem ser vítimas de preconceito, como acontece com os gatos pretos, assim como nenhum ser vivo sobre a terra.

A galinha preta Zulmira é pura, sonhadora, feliz e agradecida!

E sua história é real, ela vive no Bixiga até hoje, com Seu Chico, seu melhor amigo!!!

Maria Cecília (por Eloísa Falcomer)

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